(Esculpir em Silêncio)
Consegues ouvir a calma na tempestade?
Chove, venta, o tempo está cerrado; tempestuoso diria eu. As gotas de água parecem querer penetrar na mais cerrada cobertura, no mais pequeno dos orifícios… Eu estou em casa rodeado pela acalmia que as paredes me proporcionam, sem apanhar chuva longe da tempestade. No entanto ainda passa o desconforto da intempérie pelas frinchas das janelas e das portas. Procuro estar o mais calmo possível, e, quase intocável até então pela tempestade, invoco no pensamento o desafio de ir lá para fora, de sair para a tempestade mas sem me molhar.
Por estranho que pareça esta é uma lição que tenho vindo a aprender. Mas passo a ser mais específico.
Quando fazemos algo temos um propósito, um meio, uma forma de estar e de fazer assim como instrumentos, guias, projectos. Ou então não temos nada, não temos um propósito, não temos um meio, não temos uma forma de estar ou fazer, não conhecemos instrumentos, guias ou projectos.
Temos que descobrir novos instrumentos para trabalhar e assim começar aos poucos a compreender que é trabalho de nossa responsabilidade. Tal e qual como uma “pedra bruta e angulosa” que pode ser lapidada, e isso só é possível através da acção. Mas como toda a obra precisa de rigor, precisão, medida e equilíbrio, também nós precisamos de trabalhar para a rectidão das nossas acções e pensamentos, na precisão e aperfeiçoamento dos mesmos, de aprender a medir quer a acção tomada quer as consequências da mesma, aprender a conhecer as bases sólidas da construção do nosso próprio Eu. Um trabalho deve de se basear na sabedoria e ser complementado, tanto quanto possível, pelo Discernimento. Um trabalho vigoroso, forte na sua construção e execução, um trabalho que consiga contribuir para a beleza, como o talhar de um diamante bruto lhe pode atribuir um novo brilho, reflectindo assim a precisão da acção sobre ele exercida.
Mas, passando ao titulo do trabalho, o silêncio, porquê o silêncio? Para quê?
Tenho aprendido que o silêncio pode ser uma das formas mais importantes de começar um trabalho.
O silêncio é o ponto de partida para aprender não só a ouvir, mas também para aprender que existe uma “altura para falar”. Aprendi a conter a resposta imediata, a prender a minha reacção instantânea muitas vezes apenas suportada pelo que sentia no momento, dando assim tempo para poder ter uma opinião mais racional e logo mais madura. O silêncio permite também achar uma resposta mais interior permitindo o espaço para a meditação. Assim em silêncio começamos a aprender a mudar a nossa forma de ser pois aprendemos a controlar melhor os nossos impulsos e isso reflecte-se nas próprias acções.
Mas as nossas acções silenciosas não deixam de ter um carácter dinâmico. O silêncio não significa estagnação. O silêncio significa sim contenção e reflexão, introspecção e controle. O silêncio é assim umas das vias para o auto-conhecimento, pois através dele podemos conter respostas imediatas as quais, não proferidas, nos permite analisa-las e assim compreender a nossa própria forma de responder aos estímulos. Aprendemos a ver para o interior de nós próprios e a aprendemos a discernir.
Ora assim podemos também ver que um trabalho em silêncio não significa ausência desse mesmo. O desafio torna-se sim o de evoluir e trabalhar deixando para trás o caminho sinuoso e “barulhento” proporcionado pela “Ilusão” (Maya) que inflama os nossos sentidos (que também são uma forma de percepcionar o Mundo e não “A Forma” de o fazer – sim, os sentidos também nos ocultam a Realidade).
Mas quantas vezes já não olhamos para trás e vimos o quanto mudamos, ou pelo menos, que o esforço que temos feito muitas vezes levam a acções que possivelmente não as faríamos? E quantas dessas vezes nós vemos que essa mudança se deu sem nos apercebermos, ou seja, silenciosamente no nosso interior? É também assim que muitas das nossas acções trabalham, com uma face visível e consequências imediatas, e silenciosamente no nosso interior a pouco e pouco lapidando a nossa própria pedra bruta.
Não posso deixar de compartilhar uma ideia que fui construindo um dia à noite. Simplesmente quando olho para ela, parece que lá se resume não só aquilo que disse até agora, como muito mais, uma vez que tentei nela incutir algumas palavras que nos podem remeter para muitas outras ligações, noções e até algum simbolismo… o mais engraçado é que tenho a sensação que a explicação de cada uma dessas frases me leva a um novo sentido e significado que me diz cada vez mais. Assim, deixo simplesmente o pequeno parágrafo que construí, sem explicar que outras palavras poderia usar, ou o simbolismo que dou aquelas que utilizei, pois sei que cada um, em silêncio, ouvirá o que tenho a dizer e verá uma imagem que é só sua, mas que ao discutir, mostrará muito mais do que qualquer um pensa… pelo menos assim o espero:
“Sobe assim silenciosamente a Escada. Que esta te leve sempre em direcção ao topo onde e quando, ao meio-dia, o Sol já te deixou para trás, pois trabalhavas em não mais que uma projecção de Ti próprio. E é a Ti próprio que compete continuar a perseguir a Verdade e alcançar a Luz pois o trabalho é sempre incessante e há algo novo sempre para aprender”
Pedro